“O setor da economia brasileira que melhor paga é o industrial”

Compartilho a entrevista do presidente do Iedi, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, Pedro Wongtschowski, ao site Amanhã, por Eugênio Esber.

Nela, ele destaca questões importantes para a indústria brasileira. Tema prioritário no Brasil, para quem governa cidades, estados e o País, para os trabalhadores e trabalhadoras que atuam no setor, para a cadeia de serviços e para exportadores e importadores.

Para que o País seja definitivamente grande, soberano e ingresse no mundo desenvolvido, terá que ter mais educação, conhecer a fundo as raízes do Brasil e os acontecimentos de seus 518 anos e com isso, implantar um sistema produtivo moderno e comparável ao que já existe nas maiores economias do mundo, com empregos de qualidade e salário decente, com desenvolvimento humano e técnico, para romper com o que ainda falta: conhecimento amplo sobre a trajetória econômica, social e política de nossa história.

Parabenizo o presidente do IEDI e os empresários que também estão empenhados em fortalecer a indústria no Brasil.

 

Pedro Wongtschowski: “O brasileiro ignora a força da indústria”

Presidente do Iedi afirma que a população não percebe a importância do setor para o Brasil

Por Eugênio Esber

eugenioesber@amanha.com.br

 

 

Presidente do Conselho de Administração do Grupo Ultra, um dos cinco maiores conglomerados industriais do Brasil, controlador de empresas como Ipiranga, Ultragaz e Oxiteno, Pedro Wongtschowski (foto) expandiu sua área de atuação nos últimos anos. Como presidente do Conselho Superior da Anpei, integrou-se a um grupo de líderes empresariais preocupado com a difusão de ações inovadoras no parque fabril brasileiro e assumiu o comando do Iedi, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Às vésperas de uma eleição presidencial, o IEDI dá contornos finais a um documento sobre desafios e soluções para a economia brasileira sob o ponto de vista da indústria, um setor que, na opinião de Wongtschowski, padece de uma incompreensão. O brasileiro, diz ele, não percebe a dimensão e a importância da indústria. “O setor da economia brasileira que melhor paga é o industrial. O setor que mais aplica em pesquisa e desenvolvimento é, de longe, o industrial”, apregoa o engenheiro químico, que também é mestre e doutor em Engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).

Como você avalia o momento atual da indústria brasileira?
É difícil, especialmente em função do baixo nível de crescimento da economia brasileira. O desempenho industrial tem sido ruim nos últimos anos. Como regra geral, toda vez que a economia do Brasil avança, a indústria cresce mais, pois ela puxa o crescimento do país. E toda vez que o PIB nacional cai, a indústria cai menos. Enfim, a indústria é muito mais resiliente do que a economia como um todo. Acho que a discussão mais importante neste momento seja sobre a relevância da indústria. Tenho visto com um pouco de tristeza uma certa incompreensão de que um país como o Brasil não pode ter um agronegócio ou um setor de serviços forte sem uma atividade industrial relevante. O agronegócio funciona bem porque o Brasil tem boa genética, terra, sol e água. Mas se essas são condições necessárias, estão longe de ser suficientes. O agronegócio é cercado por indústrias em todos os lados: de fertilizantes, de equipamento para plantio e colheita, de silos, de caminhões, de sensores, de drones… Não há um agronegócio moderno e competitivo sem uma forte estrutura industrial.

Como se manifesta essa incompreensão sobre a indústria? 
As pessoas não conhecem os números. O setor da economia brasileira que melhor paga é o industrial. O setor mais tributado é o industrial. O setor que mais aplica em pesquisa e desenvolvimento é, de longe, o industrial: 70% das despesas privadas em P&D, segundo dados fornecidos pelo IBGE, são feitas pela indústria de transformação. Provavelmente são informações pouco conhecidas, mas o fato é que, às vezes, se tem uma visão simplista de que o agronegócio por si só seria capaz de sustentar o Brasil. Não há possibilidade de um agronegócio competitivo sem o setor industrial forte. Essa visão de que o Brasil pode importar tudo porque pode exportar produtos do agronegócio é um sintoma dessa incompreensão e desvalorização da indústria e de sua relevância.

Ao longo dos anos, economistas fazem menção ao que seria uma “natural” perda de importância da indústria no PIB brasileiro, como acontece no mundo inteiro, a partir da crescente supremacia dos serviços. Esta seria uma das afirmações que expressam essa incompreensão?
De fato, o peso da indústria no PIB tem caído no Brasil e isso ocorre praticamente em todos os países com o crescimento da relevância do setor de serviços nas grandes economias do mundo. A questão é que esse processo foi rápido demais no Brasil – e também nos serviços. Qualquer área relevante está cercada de automação e transformação industrial por todos os lados. O sistema financeiro não funciona sem leitor óptico, sem computador, sem telefone celular. A própria automação bancária é baseada em produtos industriais que viabilizam os bancos, deixando esses serviços cada vez mais eficientes. No entanto, essa percepção não está na cabeça das pessoas.

Você entende que uma desindustrialização teria ocorrido no Brasil?
Eu não gosto do termo, pois entendo que, com exceção de alguns segmentos, a indústria como um todo continuou crescendo em termos absolutos. O que aconteceu é que a indústria cresceu menos que outros setores, e por isso perdeu posição relativa no PIB. Mas, no agregado, em termos absolutos, a indústria aumentou o seu nível de produção. Hoje, inclusive, a virada do déficit para um superávit comercial se deve também, em parte, à retomada das exportações industriais que foram fruto de uma certa redução da demanda interna. Assim, a disponibilidade de mercadorias para o exterior e uma redução do nível de sobrevalorização do real tornaram os produtos brasileiros mais competitivos.

O Brasil tem uma participação historicamente pequena no comércio global, em torno de 1% da soma de exportações e importações mundiais. Dadas as condições da indústria brasileira, como é possível romper com esse patamar de 1% no qual estacionamos?
O Brasil já teve uma participação maior no comércio internacional do que tem hoje, mas vem perdendo participação em produtos manufaturados. Acredito que isso se deu pelo baixo nível de crescimento da produção industrial no Brasil, pela condição de um câmbio subvalorizado e, principalmente, pelo fato de o país não ter assinado acordos comerciais com áreas ou países relevantes do mundo no devido tempo. Não temos por exemplo acordos significativos com a União Europeia, uma negociação que já dura décadas. Aparentemente estamos muito próximos de um acordo com o bloco, mas até agora não se materializou. E também não temos nenhum acordo preferencial com o grande mercado norte-americano. O Brasil privilegiou acordos comerciais com regiões de baixa relevância do ponto de vista comercial, o que nos deixa um pouco isolados do mundo. O próprio Mercosul perdeu dinamismo em função da Argentina.

E ainda há o Custo Brasil…
Exato. Em alguns produtos, as condições internas não asseguram uma produção competitiva ao país. Em determinados setores, os custos dos insumos são muito altos. A tarifa de energia é elevada para os padrões internacionais, os insumos siderúrgicos, petroquímicos, de derivados de petróleo em geral, aço, são todos custos relativamente altos comparados com padrões do mercado internacional. Isso dificulta a exportação de produtos industriais que usem essas matérias-primas. Esse conjunto de circunstâncias e a própria recessão reduziram um pouco do tamanho o mercado brasileiro.

Mas é possível reverter esse cenário?
Acredito que sim, mas não a curto prazo. A longo prazo, sim, desde que haja uma recuperação da saúde da economia brasileira e, pouco a pouco, a redução desse Custo Brasil. Naturalmente, o câmbio vai assegurar uma certa competitividade do produto nacional. Acho que o Brasil tem, sim, condições básicas se aderir e participar de acordos comerciais relevantes e, ao longo de uma década, reverter a redução de presença no mercado internacional.

O agronegócio brasileiro acusa a política agrícola comunitária europeia de defender interesses de produtores rurais ineficientes e barrar tentativas de acordo. Do lado europeu, vê-se repetidamente a afirmação de que a indústria brasileira é muito protegida por elevadas tarifas de exportação significativamente maiores que as dos países mais abertos. Como você vê esse debate? 
De um lado, também vejo fortes resistências de alguns países da comunidade europeia a possibilitar o acesso adicional dos produtos do agronegócio brasileiro naquele mercado. Por outro lado, há um certo mito em torno dessas altas tarifas de produtos industriais no Brasil. Por diversas razões. É preciso em primeiro lugar estabelecer uma diferença entre a tarifa nominal de importação dos produtos industriais e a tarifa efetiva. As tarifas nominais em alguns setores são na ordem de 10% a 15%. Mas a possibilidade ampla de exceções tarifárias, os mecanismos compensatórios tipo drawback, as cotas, fazem com que efetivamente as tarifas aplicadas nos produtos industriais sejam muito menores que as nominais. Em grande parte, portanto, a alegação de que as tarifas são muito altas é mito, embora haja certos casos em que realmente devam ser reduzidas – mas ao longo do tempo. Até porque esses acordos comerciais têm prazo de transição para que as indústrias brasileiras mais sensíveis possam se adaptar rapidamente ou não a uma tarifa mais baixa. No entanto, não sinto que haja uma resistência grande da indústria brasileira nesse sentido. O que a indústria quer são duas coisas: redução do Custo Brasil para que fique mais competitiva e prazos que permitam a ela se adaptar a uma situação de tarifas mais baixas. Mas essas tarifas não são altas, na faixa de 35%, como se afirma geralmente. Isso não existe. Não falo do setor automotivo, porque este tem um regramento completamente diferente e que é da conveniência das empresas automotivas porque elas estão rigorosamente em todos os lugares, ao mesmo tempo. Então, o acordo automotivo brasileiro é firmado aqui e lá no exterior rigorosamente pelas mesmas empresas.

O cenário de guerra comercial que se deflagrou nos últimos meses e que está apenas em seu início, confrontando Estados Unidos, China e Europa, traz mais ameaças ou oportunidades para a indústria brasileira?
Pode até trazer oportunidades localizadas e transitórias, mas acho que a visão tem de ser mais estrutural e de longo prazo. Acho que a guerra comercial que está se iniciando entre Estados Unidos e China é ruim para o mundo. Ruim para os norte-americanos, ruim para os chineses, ruim para a OMC, para o sistema comercial internacional. Portanto, devemos todos condenar a existência de uma guerra comercial. Os Estados Unidos têm uma questão específica com a China, uma balança comercial completamente desequilibrada, o que não é comum entre países desse porte. Algum tipo de negociação tem de ser feita para torná-la um pouco mais equilibrada. A China exporta US$ 500 bilhões por ano aos Estados Unidos, que exporta cerca de US$ 150 bilhões à China, o que é um desequilíbrio grande. Compreensivelmente, gera no governo dos Estados Unidos um desejo de que o gigante asiático se mova no sentido de permitir mais importações dos Estados Unidos para que não haja uma situação desequilibrada.

O Brasil pode estar ingressando em um período favorável a partir de um desvio de comércio dos chineses?
Pode. Talvez o caso mais emblemático seja a soja. Os chineses vão sobretaxar os norte-americanos, e o grão brasileiro terá um espaço maior na China. Mas, ao final, as diferenças não são tão grandes porque há um desvio de comércio. A soja brasileira deixa de ir para o lugar A e vai para a China, enquanto aquela vinda dos Estados Unidos com destino à China toma o rumo do lugar A. Com isso, o custo logístico para os brasileiros é maior. Em compensação, há um pequeno aumento de preço, mas, no fim, essa mudança toda não vai ter significado maior porque a exportação de soja brasileira é limitada pela capacidade de produção, não pelo tamanho do mercado. Por isso os ganhos oriundos da guerra comercial entre chineses e norte-americanos serão marginais.

Política industrial é um tema controverso. É combatida por liberais que desejam políticas de governo horizontais, aplicadas a toda a indústria e não a setores escolhidos. Preferem medidas de impacto geral, que reduzam o Custo Brasil. Mas, na indústria brasileira, muitos líderes são favoráveis a haver escolha de setores que devem ser estimulados pontualmente. Qual sua visão sobre isso?
Todos os países têm política industrial, mas não a chamam dessa forma. Todos os países têm uma estratégia para fortalecer seu setor industrial. O Brasil também deve tê-la, sempre que possível de forma horizontal, e, claro, podem existir mecanismos. Não acho se deva declarar inconveniente todo e qualquer subsídio de qualquer natureza. Exemplifico com uma política industrial que teve sucesso em alguns casos e que hoje é adotada em praticamente todos os países. Refiro-me a políticas muito localizadas e transitórias de conteúdo nacional. Quando existe um grande mercado em desenvolvimento, faz sentido, desde que se consiga manter a competitividade dos clientes dessa indústria e estabelecer alguns mecanismos para incentivar a produção no Brasil. Isso pode ser aplicado na área de biogás e de energia, por exemplo, e sempre com o objetivo de permitir a criação de empresas nacionais competitivas internacionalmente.

Mesmo com a experiência recente da aplicação distorcida na indústria naval?
Concordo plenamente com a expressão. Ela foi mal aplicada na indústria naval, o que não tira o mérito do instituto das políticas de conteúdo local, que existem na Noruega, França, Estados Unidos, Índia. São transitórias, permitindo a criação de uma indústria competitiva e de larga escala para atender a segmentos de grande demanda, além de gerar emprego e tecnologia localmente. Com essas políticas, torna-se possível que empresas nacionais ganhem em escala suficiente para participar do mercado internacional. O objetivo deveria ser esse.

A indústria brasileira está se atrasando em relação às novas exigências da chamada “Indústria 4.0”? 
O Brasil tem muito a fazer para acompanhar o mundo em termos de produtividade. A robótica, a inteligência artificial, a automatização acelerada de processos têm de chegar logo à indústria brasileira. Os fatores macroeconômicos que afetam negativamente as empresas reduzem a sua rentabilidade e retardam os investimentos necessários à sua modernização. Os investimentos públicos e privados em ensino, pesquisa e desenvolvimento são essenciais para acelerar esse processo e criar os recursos humanos necessários.

A crescente automação industrial determina o fim de uma era de empregabilidade para setores profissionais e para trabalhadores de menor especialização? No balanço de empregos criados e empregos destruídos na indústria, qual será o saldo legado pela adoção de novas tecnologias?
A adoção de novas tecnologias exigirá mão de obra mais especializada. Haverá, sim, certa destruição de empregos, mas outros serão criados. Em todo caso, será necessário um grande esforço de formação, ao mesmo tempo que algum tipo de esquema transitório de apoio aos deslocados do mercado de trabalho terá de ser desenvolvido. A expectativa é que as novas tecnologias criem muitos empregos na área de produção e de serviços que compensem, parcialmente talvez, os postos perdidos.

Que itens são fundamentais na agenda do novo governo para reconduzir a indústria brasileira ao dinamismo que perdeu? Como o Iedi pretende atuar junto dos centros de poder para defender o que entende ser a pauta da indústria?
O Iedi está terminando de preparar um documento que será entregue aos candidatos à presidência. Os pontos centrais incluem questões macroeconômicas, como equilíbrio fiscal, reforma da previdência, reforma tributária para redução da complexidade do sistema e melhoria da infraestrutura. Também há questões específicas da indústria, como desoneração de exportações, incentivos à pesquisa, desenvolvimento e inovação e aumento do comércio brasileiro via negociação de acordos comerciais.

 

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