Venda de estatais ameaça desenvolvimento no Brasil

Os dirigentes do Macrossetor de Indústria da CUT, MSI-CUT e do Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento, o TID-Brasil, estiveram reunidos na quarta (16), para discutir ‘O papel das estatais no desenvolvimento produtivo brasileiro’.
A atividade compõe o ciclo de debates propostos pelo MSI e TID, com apoio do Solidarity Center, para a atualização do Plano Indústria 10+ Desenvolvimento Produtivo e Tecnológico, e contou com a participação de José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, e de Gustavo Teixeira, economista assessor do Coletivo Nacional dos Eletricitários e diretor do Instituto Ilumina.


“A globalização tem impactado na economia e a indústria tem sido um ativo que tem perdido densidade ano após ano, perdemos e exportamos empregos nesse setor, mas acreditamos que por meio dessas empresas estatais, como bancos, Petrobras, Eletrobras e de outras podemos fomentar a economia, desenvolvimento, pesquisa e inovação na indústria brasileira”, afirmou o presidente do TID-Brasil, Rafael Marques.


Na avaliação de Gabrielli, a conjuntura das estatais no Brasil, em particular a Petrobras, pode ser dividida em três momentos: passado, presente e futuro.
“Em 2010, tínhamos um horizonte de crescimento, com projetos como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o Luz Para Todos, a desigualdade diminuindo, o presidente Lula com alta aceitação social e a perspectiva de criação de um fundo, com os royalties do Pré-Sal para melhorar a educação e garantir o futuro das crianças. Das dez maiores empresas do mundo, seis eram de petróleo. A Petrobras era a 13ª maior empresa do mundo em 2011”, recordou o ex-presidente da petrolífera.

Ele pontuou que a partir do golpe de 2016, que retirou a presidenta Dilma Rousseff da Presidência da República, seu sucessor Michel Temer deu início ao desmonte da Petrobras, alterou a lei de partilha da exploração do Pré-Sal e fatiou a empresa para privatizá-la, como tem sido feito em ato contínuo pelo presidente Jair Bolsonaro. Além dos estragos provocados pela Operação Lava Jato, que desmontou a indústria de engenharia e perdeu a capacidade de gerar empregos.
“Houve uma aceleração dos leilões do Pré-Sal, que condenou a indústria de exploração e inovação à morte; passou a importar plataformas e sondas, criando empregos fora do Brasil; paralisaram a capacidade de refino. Fizemos o inverso que seria agregar valor com o refino e temos hoje 392 importadores, que atrelam os preços dos combustíveis ao mercado internacional, o que todo mundo sente no bolso”, criticou.

Gabrielli se diz pessimista em relação a retomada do desenvolvimento anterior ao período de desmonte atual da Petrobras. Segundo ele, apenas para construir uma refinaria, já que muitas ou foram privatizadas ou tem sua capacidade de refino reduzida, levariam cinco anos até o início das operações.
“Para reaver o que foi privatizado da Petrobras, como a BR Distribuidora, a Liquigás, a Refinaria Landulpho Alves e outras seria gasto algo em torno de 2/3 de R$ 460 bilhões, que é o valor da Petrobras. Vai tirar dinheiro do fundo de reservas? Anular as privatizações no judiciário ou em um parlamento contra nós?”, questionou.
“Estou muito pessimista para reverter o modelo e voltar ao que era antes. O desafio é pensar em um novo modelo, que permita retomar o papel da Petrobras como estruturador do mercado, expandir a capacidade de refino, atuar na distribuição de derivados, garantir o fornecimento como elemento de segurança nacional e energética e retomar o controle e a soberania nacional sobre o petróleo e o gás no Brasil”, afirmou.


Para Gustavo Teixeira, entre os desafios das empresas estatais estão a heterogeneidade entre elas.
“As empresas têm tamanhos diferentes, ordenamentos jurídicos diferentes que operam em setores diferentes e, portanto, há uma dificuldade de coordenar o setor produtivo como um todo”, explicou.
Segundo o economista, as estatais têm gestão descentralizada e o planejamento dos governos não consideram os planos de negócios das empresas.
Apesar disso, o setor produtivo estatal tem papel fundamental no fornecimento de insumos básicos e de infraestrutura, no desenvolvimento e inovação tecnológica industrial e para a transição de uma economia de baixo carbono, como é o caso da Eletrobras.
“As mudanças climáticas são consideradas como a maior falha de mercado que o capitalismo já viu e há um consenso de que esse problema precisa ser resolvido e para isso será necessário um investimento em energias renováveis”, explicou o economista.
“O papel do Estado é fundamental para inserir essas fontes renováveis, que são intermitentes e, por isso, precisa uma coordenação para garantir a segurança energética”, completou Teixeira.

O economista destacou a importância da Eletrobras nesse contexto de transição energética e criticou a falta de transparência no processo de privatização da empresa, no que se refere às tarifas que serão adotadas e o impacto disso no bolso dos consumidores.
“A Eletrobras opera cerca de metade da capacidade instalada de fonte hidráulica no Brasil, o que representa 3,5% da capacidade mundial. Tanto as usinas nucleares, parques eólicos e fotovoltaicos e metade da rede de transmissão de energia elétrica, que a Eletrobras opera, são ativos estratégicos para a transição energética, por garantirem estabilidade para o sistema elétrico durante a inserção dessas fontes renováveis”, avaliou.
“A partir de 2003, com a renovação das concessões houve a destinação de um grande volume de energia para o regime de cotas, que é uma energia muito mais barata, já que os investimentos foram amortizados e é alocada para um mercado cativo de consumidores residenciais e pequenos consumidores comerciais e industriais, mas a proposta de privatização prevê a liberação dessa tarifa a preços de mercado hoje, ou seja passaria de R$ 60/MWh para R$ 250/MWh. Isso teria um impacto tarifário muito significativo”, alertou. Além disso, segundo Teixeira, a Eletrobras controla o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica, o Cepel, o maior centro de pesquisa em eficiência energética da América Latina, que também está na mira das privatizações.

Durante o ciclo de debates, promovido pelo MSI e TID, o secretário-geral do Sinergia Santa Catarina e coordenador de Comunicação do Coletivo Nacional dos Eletricitários – CNE, Tiago Vergara fez um balanço da Campanha Salve a Energia Pelo Futuro do Brasil, contra a privatização da Eletrobras e convidou os dirigentes, que ainda não estão participando, a engajarem-se na luta pela permanência da empresa pública. Saiba mais.

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